Exames de rotina

Mário Carneiro
2 min readSep 2, 2024

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“E o quê que a vida fez
Da nossa vida?”

Escrevo como o tatuador que faz experimentos na própria pele. Existem diversas formas de se conhecer, e a dor é uma das principais. Mas, é também necessário saber ouvir para dentro. Aquietar os ruídos externos e internos. Meditação significa muita coisa.

Percebo que estou escrevendo com pressa. Estou escrevendo porque preciso, mas não porque minha alma pede. Escrevo como se o vigia contasse e avaliasse meu desempenho, numa relação caractere/segundo.

E então, eu morri.

“O que é que a gente
Não faz por amor?”

Tive uma infância privilegiada. A única morte que contemplara foi a da avó de um amigo, atropelada. Triste, era uma velhinha bacana, mas todos ao meu redor insistiram que velho morre mesmo, faz parte. Amadureci achando que a vida era dada — logo, era eventualmente tomada de volta.

Só que, ultimamente, muita gente que amo vem fazendo a travessia. No éter do espaço além-tempo, letras rodopiam em volta de meu corpo já destituído de quilogramas. Nem leveza importa mais. No reencontro de quem me precedeu, eu — eu mesmo, nada desse papo de espírito, que é só tergiversação latina — ouço os ecos do passado e aprendo a cantar para dentro, como quem declama a mais clamorosa serenata de amor ao pé do ouvido amado.

Do sopetão que me expele de volta ao mundo de pele e pedra, me recordo de como gosto de um barato, até mesmo dos ambulatoriais. Na mesinha ao lado de minha maca, um retrato feito por quem me ama me lembra que sou visto, lido, ouvido.

Termino, então, esse texto. Para voltar a mim e, principalmente, àqueles que amo.

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Mário Carneiro
Mário Carneiro

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