História antifactual do Colonialismo: genealogia da Gentileza enquanto ação social
“E aquilo que nesse momento se revelará aos povos
Surpreenderá a todos não por ser exótico
Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto
Quando terá sido o óbvio”
Há muito tempo atrás, todas as relações entre seres humanos para além do contexto familiar eram baseadas exclusivamente na ação. Você me pedia algo, eu ia lá, fazia, ou vice-versa. Cada um seguia seu rumo, sem olhar para trás.
Certa feita, em um desses fins de contrato, quando ambas as partes já se distanciavam uma da outra, um dos envolvidos deixou sem querer cair um objeto de sua mão e agachou para pegá-lo. O som produzido pelo objeto fez o outro se virar por um instante e se viu tomado por um avassalador estranhamento quando percebeu seu associado prostrado em tal posição vulnerável — para não dizer ridícula — com o topo de sua cabeça apontada para si. Pensou uau, nossa relação deve ser muito boa mesmo para ele se permitir assim, e concluiu que, talvez, o mesmo gesto comunicasse a reciprocidade do sentimento. Nascia assim a Saudação (e o primeiro tipo de Adeus).
Em outra ocasião, numa parte virgem e coberta do mundo, onde não se conhecia ainda a Saudação, um dos envolvidos fez um movimento desajeitado com um dos braços que resultou no contato de sua mão com as costas do outro, que sentiu, pela primeira vez, o calor humano fora de um espaço privado. E o esbofetado gostou, revidando o golpe, que resultou em uma série de tapinhas aparvalhados em resposta. Da selvageria, descobriu-se o Tapinha-nas-costas.
Centenas de anos se passaram e do encontro entre duas grandes civilizações. Quando Eu se curvou, Outro logo meteu-lhe a mão nas costas; assustado, o Eu recuou, mas resolveu dar uma segunda chance. Ao perceber que Outro logo prostrava a palma de sua mão novamente em direção a ele, Eu logo ergueu seu braço em riste, na defensiva. Outro percebeu o equívoco na interpretação de seu gesto e, na ausência da linguagem falada, procurou demonstrar diplomacia ao mover lentamente sua mão em direção ao ombro de Eu. Eu gostou do que sentiu, tanto que até encostou seu rosto na parte superior da mão do Outro — assim, se fez o Carinho.
Da Carícia, sua manifestação real, objetiva e material, estabeleceu-se logo em seguida sua contrapartida desencantada, o Aperto-de-mão, que, não obstante, fez maravilhas para a burocracia enquanto modo de organização das instituições.
E assim avançamos.