Linguística Aplicada do fim
“A vida já não é mais vida.
No caos, ninguém é cidadão.”
A desigualdade não acaba na morte. Talvez seja justamente esse o momento do seu ápice.
Hoje é um daqueles dias que exagerei na dose do café. A sensação é de uma overdose de vida — o que é horrível, em um momento de explosões e, bem, o que você sabe que está rolando lá fora. A má distribuição começa aí.
Será que Pierre Bourdieu imaginou falar sobre capital vital, onde o clichê humanista do “valor da vida” ganha materialidade quase literal?
Cem mil.
100 mil.
100.000 .
Até o modo como a gente escreve a morte nos faz senti-la diferente.
Não queremos nos acomodar. Não podemos achar que é normal. Mas essas mortes dizem menos porque não são heroicas, e sua injustiça se camufla justamente em uma das palavras que frequentemente substituem a normalidade: o natural. Diferentemente de Hiroshima e Nagasaki, não parece tão obvio que foram vidas desperdiçadas pela glutonice dos embriagados de poder. Sim, eles controlam até as palavras — não se trata de conspiração nenhuma; é claro e evidente, para além de fake news.
A língua já não é mais capaz de articular nossa desolação.