Maiúscula

Mário Carneiro
2 min readMay 9, 2024

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“Te chamo porque não vens
Eu estou sozinho
Escrevo cartas do trеm
À todos os velhos amigos
Talvez
Espante os fantasmas quе eu vejo…”

Aprendi em tenra idade que estes afetos se organizavam a partir da seguinte ordem teleológica:

gostar < [paixão] < Amor

Nesse esquema, o gostar fica pequenininho, infantil. Gostar de alguém é como gostar de arroz e feijão ou de ouvir podcasts. Ninguém é apaixonado por nenhuma dessas coisas…

…não é?

Certa feita, conheci uma garota afeita a hipérboles. Tudo era extraordinário, demais, incrível e por assim vai. Todos a achavam exagerada. Um dia, perguntei-a como era possível ver tanta beleza nas coisas. Ela me respondeu:

Eu me alforrio com as palavras porque são elas os seres que gestam toda a beleza do mundo.

Foi aí que aprendi que gostar é só mais uma dessas coisas subjulgadas pela cegueira dos Homens: os de Letras, sim, mas sobretudo os de Poder. E o Amor foi sequestrado e inflado artificialmente pela sede de sentido desse mesmo Homem.

(A paixão ficou ali no meio, aproveitando o espaço, as frestas, sempre meio sem lugar, retendo o mistério da vida)

Descobri que ordens de grandeza são invenções daqueles que buscam impor a existência à taxidermia, e que os afetos funcionam, também, como um espectro — horizontal, democrático, plural, etc., etc. Vi que poderia me apaixonar por desafetos, gostar de quem me causa tristeza, desgostar de quem se fez anedótico…

E permanecer amando.

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Mário Carneiro
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