Maiúscula
“Te chamo porque não vens
Eu estou sozinho
Escrevo cartas do trеm
À todos os velhos amigos
Talvez
Espante os fantasmas quе eu vejo…”
Aprendi em tenra idade que estes afetos se organizavam a partir da seguinte ordem teleológica:
gostar < [paixão] < Amor
Nesse esquema, o gostar fica pequenininho, infantil. Gostar de alguém é como gostar de arroz e feijão ou de ouvir podcasts. Ninguém é apaixonado por nenhuma dessas coisas…
Certa feita, conheci uma garota afeita a hipérboles. Tudo era extraordinário, demais, incrível e por assim vai. Todos a achavam exagerada. Um dia, perguntei-a como era possível ver tanta beleza nas coisas. Ela me respondeu:
Eu me alforrio com as palavras porque são elas os seres que gestam toda a beleza do mundo.
Foi aí que aprendi que gostar é só mais uma dessas coisas subjulgadas pela cegueira dos Homens: os de Letras, sim, mas sobretudo os de Poder. E o Amor foi sequestrado e inflado artificialmente pela sede de sentido desse mesmo Homem.
(A paixão ficou ali no meio, aproveitando o espaço, as frestas, sempre meio sem lugar, retendo o mistério da vida)
Descobri que ordens de grandeza são invenções daqueles que buscam impor a existência à taxidermia, e que os afetos funcionam, também, como um espectro — horizontal, democrático, plural, etc., etc. Vi que poderia me apaixonar por desafetos, gostar de quem me causa tristeza, desgostar de quem se fez anedótico…
E permanecer amando.