sobre depressões, identidades e existências

Mário Carneiro
2 min readMar 11, 2019

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a depressão é, antes de tudo, mais um conceito disputado pelas ciências, e isso pode ser algo bom. diagnósticos podem ser contestados. o problema que eu queria apontar aqui é que, socialmente falando, ela se tornou uma fôrma onde se encaixa todos aqueles que são desviantes de um determinado conjunto de pensamentos sobre a vida, o mundo e tudo mais.

o pensamento fisiológico busca associar o conhecimento sobre este fenômeno a níveis hormonais e outras facetas do nosso organismo que seriam preponderantes para nossas atitudes e pensamentos. mas e aqueles que desviam deste parecer?

a estes, é relegado o campo de uma determinada psicologia da individualização do pensamento e da individuação. você é responsável por mudar o que você pensa! você não quer ser feliz? vá a um psicólogo!

mas e se o problema não for eu, ou só eu, e for esse mundo e minha preocupação não seja comigo, mas comigo enquanto, também, d’ele? a psicologia e o diagnóstico da depressão se tornam, então, uma forma autoritária de circunscrever e isolar pensamentos e ideologias, por assim dizer, que não conivem com arquétipos de produção, felicidade, pró-atividade, etc. a felicidade, o amor e a bondade são os imperativos de uma cosmologia hegemônica maniqueísta que obrigatoriamente precisam ser desejáveis, e o mundo simplesmente renega quem não os busca.

para quem não se encaixa ou titubeia entre essas classificações, enfim, sobra o rótulo vexatório da crise existencial, reduzindo sistemas filosóficos (acadêmicos ou não) a meras fases de vida comumente associadas a uma suposta imaturidade. se teu sofrimento não se justifica por um nível baixo de serotonina ou por ter passado por um evento traumático na infância, você tá é com frescura. quem nunca se perguntou, sobre outrem, mas teve tudo na vida, como que pode ser assim?

que fique claro: a depressão é sim, também passível de um olhar patológico. não há dúvidas de que existem aqueles que necessitam de cuidados médicos. este texto é sobre quem precisa validar uma vontade de não estar vivo (não confunda com suicídio. uma coisa não necessariamente tem a ver com a outra) com categorias que não te dizem respeito, não te representam.

mas, se é verdade que há mais mistérios entre o céu e a terra do que a vã filosofia dos homens possa imaginar, não me diga e não me faça dizer que algo que compõe meu ser em sua plenitude é algo necessariamente indesejável e deve, obrigatoriamente, ser eliminado. há casos em que a doença é social, e nós ainda engatinhamos no que diz respeito a seu entendimento.

06/06/2017 (este na verdade foi um textão de Facebook, mas achei que dizia demais pra ser perder na linha do tempo que mais parece um rio bravo daquela rede social. quem sabe não serve de reflexão pra mais alguém também)

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Mário Carneiro
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