“Tudo mudou, exceto nós”: sobre catástrofes e o verde das árvores
Não me entendam mal, sou contra os textos pandêmicos. Minha proposta aqui não é falar do acontecimento, do fenômeno, da política ou da curva de contaminação. Sobre tudo isso, lhes asseguro que a arena do debate já está suficientemente ocupada. Gostaria de prosear sobre nós.
Inspirado em Svetlana Alexievich, conjecturo sobre o Humano da Covid-19. A mudança na primeira palavra credito a um modismo intelectual (ahem…), mas o restante da expressão revela, sobretudo, alguns tantos mistérios e desencantamentos.
Chernobyl, com o tempo, escancarou a falibilidade do Homem (como se dizia antigamente…), as mais coisas entre o céu e a terra shakespearianas; a pandemia, entretanto, se torna a batata quente que pula entre as mãos de Deus, da Natureza e do Humano. A quem culpar: a (aparentemente desprezada) providência divina? a incapacidade da Ciência em prover respostas absolutamente exatas e hermeticamente conclusivas? ou a algo inerentemente nosso e de nossa condição existencial (isso quando não estendemos a sentença às pessoas não-humanas, como o pobre Morcego)?
Enquanto não aceitamos as contingências (que, certamente, poderiam ser encaradas de formas objetivamente melhores, mas, bem…), enforcamos ismos, nos regojizamos em metáforas bélicas, e apontamos o dedo para os alienados que não compreendem que não se isolar é o mais alto ato de egoísmo - mesmo sem fazermos ideia de quem é o Outro, infelizmente confirmando a tolice liberal que afirma que o indivíduo é a menor minoria, e nos encerrando em nossas automediocridades.
“No seu mundo o amor mudou. E a morte.” (Vozes de Tchernóbil)
Talvez devêssemos nos esforçar menos em pensar como as coisas e, inclusive, nós seremos depois disso tudo - se o mundo vira comunista ou se a distopia se concretiza (seja lá o que essas palavras queiram dizer atualmente). Somos todos vítimas, espectadores e perpetradores - em diversas proporções, é claro; também somos, indubitavelmente, muito mais que isso.
O que este “muito mais” significa, porém, não há digressão filosófica que preveja. Será absolutamente necessário ser.